Há algumas décadas, os cordeleiros mais inspirados cantarolavam improvisadamente os versos dos folhetos nas feiras livres do Nordeste, de acordo com os seus espíritos inventivos, na tentativa de chamar a atenção dos possíveis compradores, transeuntes, curiosos e demais feirantes. Esse ato criativo de “vender o peixe”, por parte dos vendedores de cordéis, tornou mais explícito o fato de que a música se estabelecia, neste caso, como um elemento acessório desregrado que ampliava o teor artístico do folheto de cordel, até então visto pela maioria das pessoas como puramente literário. Assim, tinha-se, a priori, o texto poético fixo criado pelo autor, a posteriori, a melodia mutante concebida de quando em quando por um co-autor ignoto e, em conseqüência dessa junção acidental, um valor estético múltiplo e interdisciplinar nem sempre percebido. Essa seqüência permaneceu tímida, mas latente por várias gerações até que em 2001 o escritor/músico Roniere Leite Soares resolveu inverter esta ordem, determinando uma prévia melodia fixa, impressa no cordel, de forma que o poema fosse posteriormente criado em função da música registrada em partitura. Desde essa experiência, a melodia imutável pode ser cantada de maneira exclusiva, incorporando a esta todo o conteúdo poemático criado pelo artista popular. Essa mudança de rotina na criação foi experimentada pelo estro do autor há 10 anos no cordel A História de Lampião. Todavia, “não descarto a possibilidade da existência de experiências anteriores com esta peculiaridade e com este objetivo, haja vista que a música é um elemento indecomponível da poesia”, frisa Soares.
No que concerne ao corpo do trabalho “A Rinha Poemática dos Repentistas Noberto Montêro e Ontõi Soares nos Cafundós Celestes de Santa Rosa de Bôa Vista-PB, sexta obra do cordelista, lançada recentemente, a estrutura composicional de cada uma das 32 décimas (estrofes de dez versos) se divide em três partes: os primeiros quatro versos, cantado pelo repentista Noberto Monteiro; o quarteto subseqüente, cantado pelo poeta Antônio Soares; e o dueto final, cantado inicialmente por Noberto Monteiro e depois repetido por ambos, em canto uníssono. A partitura, registrada manualmente na contracapa do trabalho, denominada de tema cordelístico, tem o trecho “A” que se resume as duas primeiras partes de cada décima enquanto que o trecho “B” se constitui como sendo os dois últimos versos da estrofe, ou seja, a terceira parte.
Afirma Roniere Soares que sua maior satisfação é fazer a homenagem póstuma aos dois maiores cantadores de sua terra, pois “eles foram artistas esquecidos pela mídia e sem reconhecimento diante do público com o qual a dupla conviveu timidamente”. Antônio Soares foi patriarca de uma família onde quatro improvisadores se irmanavam em prol da poesia de repente até o início década de 1970. Juntamente com ele, os filhos Enésio Soares, Manoel Soares e a filha Otília Soares eram companheiros da cantoria de viola, debaixo dos juazeiros do Sítio Riachão, zona rural do atual Município paraibano de Boa Vista. Ao lado, vizinho geograficamente, o Sítio Santa Rosa, da mesma cidade caririzeira, guardou até a década de 2000, outro grande talento que foi o Noberto Monteiro, cantador de viola bastante conhecido através das principais rádios AM de Campina Grande, a citar: Rádio Borborema, Cariri e Caturité, entre outras.
No plano lingüístico, o tópico sobre o qual se confere o(s) comentário(s) pode modular entre as três partes, pois ocorre às vezes como único ou como sendo duplo ou triplo. Pode-se ter no bloco de cada décima, por exemplo, um tópico para o primeiro quarteto (1ª parte), outro diferente para o segundo quarteto (2ª parte) e mais um distinto para os dois derradeiros versos (3ª parte), assim como também podemos encontrar um tópico que pode ser abordado em duas ou três partes. Para melhor entendimento, aconselhamos a observação da 1ª décima (três tópicos), da 3ª décima (um tópico) e da 16ª décima (dois tópicos).
Roniere L. Soares pretende ainda no ano corrente, fazer um tributo ao poeta que é considerado pela crítica local como o mais erudito de sua terra natal, que é o poeta de bancada Edvaldo Perico, seu parente muito próximo, falecido no primeiro semestre do ano 2010 e sepultado em Boa Vista-PB. Diz o cordelista que a oportunidade de lançar um trabalho que sugere retomada histórico-biográfica se justifica pelo fato do poeta poder renascer do esquecimento, “envivecer para a juventude futura, a qual não pôde com Edvaldo conviver”.
Sugerimos assim essa leitura tipicamente regional que se constitui com sendo uma mina na atual arte midiática, cujo caminho do tesouro é a banca de no 41 ou barraca do Lourival, no Calçadão da Cardoso Vieira, em Campina Grande-PB (R$ 1,00 cada).
Contatos: (083) 3333-9524 ou (083) 9362-8447 (ronieter@gmail.com)
terça-feira, 10 de agosto de 2010
SOARES DE RONIERE
Postado por Ary Prata às 05:03
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